terça-feira, 16 de julho de 2013

Você sabe de quem está falando?



Em 1990, o antropológo Roberto DaMatta escreveu o famoso ensaio “Você sabe com quem está falando?”. Nele, DaMatta revela o paradoxo que existe numa sociedade, teoricamente democrática e universal, mas limitada por uma hierarquia arraigada. O autor analisa o lado autoritário e hierarquizado da sociedade brasileira no qual indivíduos se privilegiam de seus status e posições sociais, criando um ambiente inquestionável onde "cada um sabe o seu lugar". Além disso, também é verificada a existência de uma colisão entre a realidade de pessoas publicamente conhecidas (seja por seus feitos, cargos ou amizades) e daqueles indivíduos comuns, para os quais as leis se aplicam implacavelmente ("para os amigos, tudo; para os inimigos, a lei"). Basicamente, no Brasil o importante não é que ato foi feito, mas sim quem cometeu o ato.

Mas o que isso tem a ver com este espaço? Bem, no jogo Boavista 2 x1 Flamengo, pelo Campeonato Carioca de 2012, o jogador Tony cometeu falta violenta no rubro-negro Willians. A lesão foi tão grave que o jogador contundido ficou meses sem voltar aos gramados. Na época, a comoção foi tão grande que o clube da Gávea exigiu punição severa a Tony e ainda ameaçou cobrar do Boavista que pagasse o tratamento do jogador contundido. A imprensa endossou a reclamação e durante um tempo chegou-se a discutir que o jogador que causou a lesão ficasse de fora dos jogos até que o lesionado tivesse condições de atuar novamente. Lembrou-se até do caso de Pedrinho, ex-jogador do Vasco, que também passou por lesão grave após falta dura em jogo contra o Cruzeiro pelo Campeonato Brasileiro de 1998. Tal ideia não foi implantada, mas Tony recebeu uma severa punição. De nada valeu o bom histórico do jogador.

No último domingo, em partida válida pelo Campeonato Brasileiro de 2012, Grêmio e Botafogo se enfrentaram e o time gaúcho saiu vencedor pelo placar de 2x1. Em dado momento do segundo tempo, o jogador gremista Zé Roberto deu um perigoso carrinho no alvinegro Lucas. O jogador sofreu fratura no tornozelo e ficará afastado dos gramados por tempo indeterminado.

A princípio não vemos diferença neste caso com o citado anteriormente entre Flamengo e Boavista. Entretanto, na situação atual, podemos adaptar a frase de Roberto DaMatta para “Você sabe de quem está falando”? Zé Roberto não é o Tony. Enquanto o segundo é um mero desconhecido jogador de um time que sequer disputa a Série C, o primeiro é o consagrado craque que já fez gol até em Copa do Mundo. E assim todo o discurso já é alterado.

Primeiro devemos lembrar que, no lance da falta, Zé Roberto sequer foi advertido com cartão amarelo. No dia seguinte ao jogo, o procurador do STJD, Paulo Schmitt, anunciou que avaliará as imagens e estudará uma punição ao jogador. Bastou isso para que vários comentaristas viessem em defesa ao jogador gremista. Caio Ribeiro diz que Zé não é violento e que não havia intenção. Arnaldo César Coelho, em seu conhecido corporativismo, diz que o tribunal não tem que punir ninguém, pois o árbitro é o dono da verdade. E Belletti chegou ao absurdo de dizer que a culpa foi de Lucas por posicionar o pé de forma incorreta. Ou seja, se amanhã você morrer de um tiro de bala perdida, a culpa é totalmente sua por ter se colocado à frente da bala.

Independente de qual seja a atitude a ser tomada pelo STJD, é lamentável ver como a mesma imprensa que diariamente denuncia caso de impunidade, defende a não punição de um jogador apenas pelo nome que este ostenta. Não adianta usar essa estratégia do bom histórico porque ela não valeu para Tony. Também não serve essa história de que não havia má intenção porque casos de imprudência que resultam em lesões graves existem aos montes no futebol. Essa conversa de “STJD não pode punir” é outra discussão e apenas desvia o foco da questão de fato. O que devemos nos perguntar é: se fosse o contrário? Se quem recebesse a mesma falta fosse Zé Roberto e o agressor fosse Lucas, o tom da discussão seria o mesmo? Eu duvido.

Deixando claro que esse caso com Zé Roberto não é inédito. Já houve outras situações envolvendo faltas graves e até casos de dopping em que jogadores conseguiram escapar da pena por ostentarem nomes de destaque. Ou seja, tal impunidade já vem de longa data no Brasil. E não deve acabar tão cedo. Quanto mais essa prática passar impune, mais os jogadores de destaque ganham “licença para bater”.

É triste constatar que essa defesa de impunidade pregada pela imprensa contagia os espectadores. Nos comentários dos sites nota-se que muitos leitores defendem a absolvição do jogador. Talvez pelo fato do jogador ser considerado ídolo e exemplo, as muitas pessoas se coloquem no lugar dele como “o que eu gostaria de ser”. Ninguém quer ser o Lucas, querem ser o Zé Roberto independente da situação. E aí, ninguém gostaria de ser punido, certo? Pode ser que isso explique a defesa de muitos por esta impunidade. Em tempos de “vem pra rua”, seria bom que cada um fizesse um exame de consciência e repensassem seus valores. Mas, como já dizia Paulo Freire, quando a educação não é libertadora, o sonho do oprimido é ser opressor.

1 comentários:

Humberto Alves disse...

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10 de dezembro de 2013 às 10:52

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